quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

breve

Se com intermitentes palavras
me sacia a carne viciada
Quem pode culpar-me o anseio
de que à etérea alma
nutra com teus beijos?
Quem pode acusar-me a espera?
para o crime premeditado - o ensejo
A transgressão que é regra
e único fim desse disparatado pejo.

sábado, 31 de outubro de 2015

Andrajos sonhados (I)

Era uma rua deserta do centro, já bem tarde
apenas a luz de esparsos postes lhe salvavam da completa escuridão
carregava suas pesadas sujas botas em suas sujas pesadas mãos,
vestido como um legítimo representante da classe dos antigos mendigos
daqueles nos quais você encontra uma inigualável e inesperada nobreza
E desconcertado, não sabe se pede bençãos ou oferece um pedaço de pão
Vinha repetindo mentalmente uma frase estúpida
que quando pronunciada tinha o sabor do desesperado messianismo de um Dostoievski
E enquanto pudesse prosseguir com a despropositada caminhada
estava certo de que não havia qualquer sentido em pensar no desconforto do caminho.

Andrajos sonhados (II)

Chegou-lhe o momento do tombo,
na queda o desatino
não carrregava tralhas,
qualquer bem ou mal consigo
O que derrubava era o gasto do corpo
querendo razões, motivos
Querendo sono e afeto,
alimento e descanso
Dormir profundamente
um sono total, sem sonhos
simples como um tijolaço na cabeça,
eficaz como um traumatismo craniano
mesmo não sendo eu nesse homem,
apenas um sonho que conto
Desejar dormir quando já se dorme
fez estilhaçar alguma coisa sem nome.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Convite amoroso em um dia de chuva
à beira de um campo alagado

Através das eras
Sucessivas pujantes Evas
seguem cegas silenciosas sinas
Sem pretensões nem quimeras

Sigamos assim por noites e dias
Em vez de escondidos atrás de tramelas
ansiando pelo dia que não veio,
onde num espelho, enxergamos no que somos,
o futuro do que em nós já não era.

Através das eras
sucessivas verdejam ervas
Orvalhados seus pudores
Esquecidos seus rancores
Rompidas suas mudas rédeas
estáticas peregrinas incansáveis
Rumo ao seu destino em linha reta

Sigamos apenas, como se fossemos elas,
Sem saber, sem porquê
Sem mais espera.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

O cachorro do mendigo

Embriagado,
descalço na calçada
Sem dever de casa
Sem casa
sem nenhum dever
sem a quem recorrer

A moral da história
é uma história imoral
O cachorro do mendigo
também está perdido
sem qualquer mapa astral

ora bolas, nada mal
por fim, enfim
sem crédito final
Sem saída, saí pela entrada
Pela estrada
Sem voltar pra casa