sábado, 31 de outubro de 2015

Andrajos sonhados (I)

Era uma rua deserta do centro, já bem tarde
apenas a luz de esparsos postes lhe salvavam da completa escuridão
carregava suas pesadas sujas botas em suas sujas pesadas mãos,
vestido como um legítimo representante da classe dos antigos mendigos
daqueles nos quais você encontra uma inigualável e inesperada nobreza
E desconcertado, não sabe se pede bençãos ou oferece um pedaço de pão
Vinha repetindo mentalmente uma frase estúpida
que quando pronunciada tinha o sabor do desesperado messianismo de um Dostoievski
E enquanto pudesse prosseguir com a despropositada caminhada
estava certo de que não havia qualquer sentido em pensar no desconforto do caminho.

Andrajos sonhados (II)

Chegou-lhe o momento do tombo,
na queda o desatino
não carrregava tralhas,
qualquer bem ou mal consigo
O que derrubava era o gasto do corpo
querendo razões, motivos
Querendo sono e afeto,
alimento e descanso
Dormir profundamente
um sono total, sem sonhos
simples como um tijolaço na cabeça,
eficaz como um traumatismo craniano
mesmo não sendo eu nesse homem,
apenas um sonho que conto
Desejar dormir quando já se dorme
fez estilhaçar alguma coisa sem nome.

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