mea culpa, mea maxima culpa
Não é sem pudor que ganas eu tenho de confidenciar
À senhora e dona do animal pulsante alojado em meu peito
Que em certas horas do dia, verdadeiramente, acho a vida um horror
Com suas tristezas tão previsíveis quanto provisórias
Suas cartas marcadas e bilhetes perdidos de loteria
Com a indesejada morte deambulando por toda parte,
sem ter ninguém que daqui a uns instantes nela não esbarre
Com a generalizada pobreza de sentimentos nobres
O sono perdido acumulado alimentando a mais-valia
Epidemias que tiram dos anjos suas depenadas asas
O cheiro que distraído me lembra a panela de arroz queimada
A cadela prenhe sob a chuva
A amante mal amada
A fome do outro que não chega a doer no embrutecido vizinho
A topada desnecessária no desnecessário cômodo súbito invisível
A alegria que só pode existir de si mesma desconfiada
A espera angustiada de alguma grande tragédia em alguma próxima esquina
Tudo isso em certos incertos dias
costumava levar-me à beira de debulhar-me em lágrimas
Agora no lugar há uma tosse seca, forjada,
do choro perdi o hábito que o mais que lembro é das horas em que me sinto
apartado da dor do mundo, dela esquecido
Quando miro em teus belos olhos meu incontido sorriso
Confesso minha culpa, mea maxima culpa, ante o espetáculo dolorido:
Involuntariamente eu acho, e eu não queria achar
(a vida, a despeito de tudo, em meu peito insiste
e a carne revolta sobre os ossos tem desejo a sobejar)
vale o que tiver o que ser desde que tu existe,
vale e valerá.
Um comentário:
Bicho, diante - e apesar - de tudo, foi um tapa. Lindo texto. Uma porrada, mas um bonito texto.
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